quinta-feira, 30 de julho de 2009

III. O CHEFE DO ESPIRITISMO


Mas quem estará encarregado de manter o Espiritismo nesse caminho?

Quem terá o lazer e a perseverança para se entregar ao trabalho incessante que exige semelhante tarefa?
Se o Espiritismo estiver entregue a si mesmo, sem guia, não é de se temer que se desvie de sua rota?

Que a malevolência, com a qual estará em luta por muito tempo ainda, não se esforce em desnaturar-lhe o espírito?

Aí está, com efeito, uma questão vital, e cuja solução é de um interesse maior para o futuro da Doutrina.
A necessidade de uma direção central superior, guardiã vigilante da unidade progressiva, e dos interesses gerais da Doutrina, é de tal modo evidente, que se inquieta por não ver ainda o condutor despontar no horizonte.

Compreende-se que, sem uma autoridade moral capaz de centralizar os trabalhos, os estudos e as observações, de dar impulso, de estimular o zelo, de defender o fraco, de sustentar as coragens vacilantes, de concorrer com os conselhos da experiência, de fixar a opinião sobre os pontos incertos, o Espiritismo correria o risco de caminhar à deriva.

Não somente essa direção é necessária, mas é preciso que ela esteja nas condições de força e de estabilidade suficientes para desafiar as tempestades.

Aqueles que não querem nenhuma autoridade não compreendem os verdadeiros interesses da Doutrina; se alguns pensam poder se passar de toda direção, a maioria, aqueles que não crêem em sua infalibilidade e não têm uma confiança absoluta em suas próprias luzes, sente a necessidade de um ponto de apoio, de um guia, não fosse senão para ajudá-los a caminhar com mais firmeza e segurança. (Ver a Revista de abril de 1866, p. 111: O Espiritismo independente.)

Estando estabelecida a necessidade de uma direção, de quem o chefe terá os seus poderes?

Será aclamado pela universalidade dos adeptos?

É uma coisa impraticável. Se se impõe com a sua autoridade privada, será aceito por uns, rejeitado pelos outros, e vinte pretendentes podem surgir que levantarão bandeira contra bandeira; isso seria, ao mesmo tempo, o despotismo e a anarquia.


Semelhante ato seria o fato de um ambicioso, por isso mesmo orgulhoso, a dirigir uma doutrina baseada sobre a abnegação, o devotamento, o desinteresse e a humildade; colocado fora do princípio fundamental da doutrina, não poderia senão falsear-lhe o espírito.

É o que ocorreria inevitavelmente, se não se tomassem, de antemão, medidas eficazes para evitar esse inconveniente.

Admitamos, no entanto, que um homem reunisse todas as qualidades requeridas para o cumprimento de seu mandato, e que chegue à direção superior por uma caminho qualquer: os homens se sucedem e não se assemelham; depois de um bom, pode vir um mau; com o indivíduo, pode mudar o espírito da direção; sem ter maus desígnios, pode ele ter objetivos mais ou menos justos; se quiser fazer prevalecer as
suas idéias pessoais, pode fazer a Doutrina desencaminhar, suscitar divisões e as mesmas dificuldades se renovarão a cada mudança.

Não é preciso perder de vista que o Espiritismo não está ainda na plenitude de sua força; do ponto de vista da organização, é uma criança que começa só a caminhar; importa, pois, no início sobretudo, premuni-lo contra as dificuldades do caminho.

Mas, dir-se-á, um dos Espíritos anunciados, dos que devem tomar parte na regeneração, não estará à testa do Espiritismo?

É provável: mas como não terão na fronte uma marca para se fazerem conhecer, que não se afirmarão senão pelos seus atos, e não serão, para a maioria, reconhecidos como tais senão depois de sua morte, segundo o que tenham feito durante a sua vida; que, aliás, não o seria perpetuamente, é necessário prever todas as eventualidades.

Sabe-se que a sua missão será múltipla: que a terá em todos os graus da escala, e nos diversos ramos da economia social, onde cada um exercerá a sua influência em proveito das idéias novas, segundo a especialidade de sua posição; todos trabalharão, pois, para o estabelecimento da Doutrina, seja numa parte, seja numa outra; uns como chefes de Estados, outros como jurisconsultos, outros como magistrados, sábios, literatos, oradores, industriais, etc.; cada um dará as suas provas em sua parte, desde o proletário até o soberano, sem que nada além de suas obras o distinga do comum dos homens.

Se um deles deve tomar parte na direção, é provável que estará colocado providencialmente em posição de ali chegar pelos meios legais que serão adotados; circunstâncias, em aparência fortuitas, o conduzirão, sem propósito premeditado de sua parte, sem mesmo que tenha consciência de sua missão.

(Revista Espírita: Os messias do Espiritismo, fevereiro-março de 1868, páginas 45 e 65.)

Em semelhante caso, o pior de todos os chefe será aquele que se der por eleito de Deus.

Como não é racional admitir que Deus confia tais missões a ambiciosos, ou a orgulhosos, as virtudes características de um verdadeiro messias devem ser, antes de tudo, a simplicidade, a humildade, a modéstia, em uma palavra, o desinteresse material e moral mais completo; ora, só a pretensão de ser um messias, seria a negação dessas qualidades essenciais; ela provaria, naquele que se prevê semelhante título, ou uma tola presunção se for de boa-fé, ou uma insigne impostura.

Não faltariam intrigantes, supostamente Espíritas, que quereriam se elevar pelo orgulho, ambição, cupidez; outros que teriam pretensas revelações com a ajuda das quais procurarão se pôr em relevo e fascinar as imaginações muito crédulas. É preciso prever também que, sob falsas aparências, os indivíduos poderiam tentar se apoderar do leme com pensamento dissimulado de fazer o navio naufragar, desviando-o de sua rota.

Não sossobrará, mas poderá experimentar deploráveis atrasos, que é preciso evitar. Esses são, sem contradita, os maiores escolhos dos quais o Espiritismo deve se resguardar: quanto mais ficar consistente, mais os seus adversários lhe dirigirão ciladas.

É, pois, do dever de todos os Espíritas sinceros frustrar as manobras da intriga, que se podem urdir nos menores centros, como nos maiores.

Deverão, antes de tudo, repudiar, da maneira mais absoluta, quem se colocar, por si mesmo, como um messias, seja como chefe do Espiritismo, seja como simples apóstolo da Doutrina.


Conhece-se a árvore pelo seu fruto; esperai, pois, que a árvore dê seu fruto antes de julgar se é bom, e olhai ainda se os frutos estão estragados.

(O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXI, nº 9. Caráter do verdadeiro profeta.)

Foi proposto fazer os próprios Espíritos designarem os candidatos, em cada grupo ou sociedade espírita.

Além de que esse meio não obviaria todos os inconvenientes, deles haveria especiais nesse modo de proceder, que a experiência já demonstrou e que seria supérfluo lembrar aqui.

É preciso não perder de vista que a missão dos Espíritos é de nos instruir, de nos melhorar, mas não de se substituir à iniciativa de nosso livre arbítrio; eles nos sugerem pensamentos, nos ajudam com os seus conselhos, sobretudo no que toca às questões morais, mas deixam ao nosso julgamento o cuidado da execução das coisas materiais que não têm por missão nos poupar.

Que os homens se contentem por serem assistidos e protegidos pelos bons Espíritos, mas que não descarreguem neles a responsabilidade que incumbe ao papel do encarnado.
Esse meio, aliás, suscitaria mais embaraço do que se pensa, pela dificuldade de fazer todos os grupos participarem nessa eleição; isso seria uma complicação nos maquinismos, e os maquinismos são tanto menos suscetíveis de se desorganizarem, quanto sejam mais simplificados.

O problema é, pois, constituir uma direção central nas condições de força e estabilidade que o coloque ao abrigo das flutuações, que respondem a todas as necessidades da causa e opõem uma barreira absoluta aos enredos da intriga e da ambição.

Tal é o objetivo do plano do qual vamos dar um esboço rápido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário