segunda-feira, 27 de julho de 2009

VIII DO PROGRAMA DAS CRENÇAS


A condição absoluta de vitalidade para toda reunião ou associação, qualquer que seja o objeto, é a homogeneidade, quer dizer, a unidade de vistas, de princípios e de sentimentos, a tendência para um mesmo objetivo determinado, em uma palavra, a comunhão de pensamentos.

Todas as vezes que homens se reúnem em nome de uma idéia vaga, jamais chegam a se entender, porque cada um compreende essa idéia à sua maneira. Toda reunião formada de elementos heterogêneos leva em si os germes da sua própria dissolução, porque ela se compõe de interesses divergentes, materiais, ou de amor-próprio, tendendo a um objetivo diferente, que se combatem, e muito raramente estão dispostos a fazer concessões ao interesse comum, ou mesmo à razão; que sofrem a opinião da maioria se não puderem fazê-lo de outro modo, mas que não se reúnem jamais francamente.

Assim o foi até este dia com o Espiritismo; formado gradualmente, em conseqüência de observações sucessiva, como todas as ciências, a aceitação tomou pouco a pouco mais amplitude. A qualidade de Espírita, aplicada sucessivamente a todos os graus da crença, compreende uma afinidade de nuanças, desde a simples crença nos fatos de manifestações, até às mais altas deduções morais e filosóficas; desde aquele que, detendo-se na superfície, nele não vê senão um passatempo de curiosidade, até aquele que procura concordância dos princípios com as leis universais, e suas aplicações aos interesses gerais da Humanidade; enfim, desde aquele que nele não vê senão um meio de exploração em seu proveito, até aquele que nele haure os elementos de sua própria melhoria moral.

Dar-se por Espírita convicto, não indica, pois, de nenhum modo, a medida da crença; essa palavra é muito dita por uns, e muito pouco pelos outros. Uma assembléia na qual se convocasse todos aqueles que se dizem Espíritas, apresentaria um amálgama de opiniões divergentes que não saberiam se assimilar e não desembocariam em nada de sério; sem falar dessas pessoas interessadas em nela semear a discussão, às quais abriria suas portas.

Essa falta de precisão, inevitável no início e durante o período de elaboração, freqüentemente causou equívocos lamentáveis, naquilo que fez atribuir à Doutrina o que não era senão o abuso ou um desvio. Foi em conseqüencia dessa falsa aplicaçã o que é diariamente feita da qualidade de Espírita, que a crítica, que pouco se inquieta com o fundo das coisas, e ainda menos com o lado sério do Espiritismo, pôde encontrar matéria para a zombaria. Que um indivíduo se diga espírita ou pretenda fazer do Espiritismo, o que os prestidigitadores pretendem fazer da física, fosse ele um saltimbanco, é, aos seus olhos, o representante da Doutrina.

Tem-se feito, é verdade, uma distinção entre os bons e os maus, os verdadeiros e os falsos Espíritas, os Espíritas mais ou menos esclarecidos, mais ou menos convencidos, os Espíritas de coração, etc.; mas essas designações, sempre vagas, nada têm de autênticas, nada que as caracterizem quando não se conhece os indivíduos, e quando não se teve ocasião de julgá-los pelas suas obras.

Pode-se, pois, ser enganado pelas aparências. Disso resulta que a qualidade de Espírita, não permitindo senão uma aplicação incompleta, não é uma recomendação absoluta; essa incerteza lança nos espíritos uma espécie de desconfiança que impede estabelecer entre os adeptos um laço sério de confraternidade.

Hoje, que se fixou, entre todos, os pontos fundamentais da Doutrina, e sobre os deveres que incumbem a todo adepto sério, a qualidade de Espírita pode ter um caráter definido que não tinha antes. Um formulário de profissão de fé pode ser estabelecido, e a adesão, por escrito, a esse programa, será um testemunho autêntico da maneira de encarar o Espiritismo. Essa adesão, constatando a uniformidade dos princípios, será, além disso, o laço que unirá os adeptos numa grande família, sem distinção de nacionalidades, sob o império de uma mesma fé, de uma comunhão de pensamentos, de vistas, e de aspirações. A crença no Espiritismo não será mais uma simples aquiescência, freqüentemente parcial, a uma idéia vaga, mas uma adesão motivada, feita com conhecimento de causa, constatada por um título oficial entregue ao adepto. Para evitar os inconvenientes da falta de precisão da qualidade de Espíritas, os signatários da profissão de fé tomarão o título de Espíritas professos.

Essa qualificação, repousando sobre uma base precisa e definida, não dá lugar a nenhum equívoco, permite aos adeptos que professem os mesmos princípios e caminhem no mesmo caminho, se reconhecerem sem outra formalidade senão a declaração de sua qualidade, e, havendo necessidade, a produção de seu título. Uma reunião composta de Espíritas professos, será necessariamente tão homogênea quanto o comporta a Humanidade.

Um formulário de profissão de fé, circunscrito e nitidamente definido, será o caminho traçado; o título de Espírita professo será a palavra de união.

Mas, dir-se-á, esse título é uma garantia suficiente contra os homens de sinceridade duvidosa? Uma garantia absoluta contra a má-fé é impossível, porquanto há pessoas que fazem um jogo dos atos mais solenes; mas convir-se-á que essa garantia é maior do que quando não a havia de todo. Tal, aliás, que se dá sem escrúpulos por aquilo que não é, quando não se trata senão de palavras que se evolam, recua freqüentemente diante de uma afirmação espírita que deixa marcas, e que lhe poderia ser oposta no caso em que se desviasse do caminho reto. Se, entretanto, houvesse os que não fossem retidos por essa consideração, o número deles seria muito pequeno e sem influência. De resto, esse caso está previsto pelos estatutos, e é provido pela disposição especial.

Essa medida terá, inevitavelmente, por efeito afastar das reuniões sérias as pessoas que nela não estariam em seu lugar. Se delas se afastassem alguns Espíritas de boa fé, isso não seria sempre senão aqueles que não estão bastante seguros, por si mesmos, para se afirmar, os timoratos que temem se colocar em evidência, e aqueles que, em todas as circunstâncias, não são jamais os primeiros a se pronunciarem, querendo ver antes como as coisas amadurecerão. Com o tempo, uns se esclarecerão mais completamente, os outros tomarão coragem; até lá nem uns nem os outros poderão contar entre os sólidos defensores da causa. Quanto àqueles que se poderia lamentar, o número deles será pequeno e diminuirá a cada dia.

Não sendo nada perfeito neste mundo, as melhores coisas têm seus inconvenientes; querendo-se rejeitar tudo o que não está deles isento, nada seria admissível. Em tudo é preciso pesar a forma das vantagens e dos inconvenientes; ora, é bem evidente que aqui as primeiras levam a melhor sobre as segundas.

Nem todos aqueles que levam o nome de Espíritas aderem, pois, à constituição, isso é certo; também ela não é senão para aqueles que a aceitarão livre e voluntariamente, porque ela não tem a pretensão de se impor a ninguém.

O Espiritismo, não sendo compreendido do mesmo modo por todo o mundo, a constituição chama àqueles que o encaram do seu ponto de vista, com o objetivo de lhes dar um ponto de apoio quando se encontrarem isolados, de cimentar os laços da grande família pela unidade de crenças. Mas, fiel ao princípio da liberdade de consciência, que a Doutrina proclama como um direito natural. respeita todas as convicções sinceras, e não lança anátema àqueles que têem idéias diferentes; delas não aproveitará menos as luzes que poderão emitir fora de seu seio.

O essencial, pois, é conhecer aqueles que seguem a mesma senda; mas como sabê-lo com precisão? É materialmente impossível aí chegar por interrogatórios individuais, e, aliás, ninguém pode estar investido do direito de perscrutar as consciências. O único meio, o mais simples, o mais legal, é estabelecer um formulário de princípios, resumindo o estado dos conhecimentos atuais que ressaltam da observação, e sancionados pelo ensino geral dos Espíritos, aos quais cada um está livre para aderir. A adesão escrita é uma profissão de fé que dispensa de toda outra investigação, e deixa a cada um sua inteira liberdade.

A constituição do Espiritismo tem, pois, por complemento necessário, um programa de princípios definidos no que toca à crença, sem o qual isso seria uma obra sem importância e sem futuro. Esse programa, fruto da experiência adquirida, será a baliza indicadora do caminho. Para caminhar com segurança, ao lado da constituição orgânica, é preciso a constituição da fé, um credo, se o quiserem, que seja o sinal de referência de todos os aderentes.

Mas esse programa, não mais do que a constituição orgânica, não pode e nem deve acorrentar o futuro, sob pena de sucumbir, cedo ou tarde, sob as opressões do progresso.

Fundado para o estado presente dos conhecimentos, deverá se modificar e se completar à medida que novas observações vierem demonstrar-lhe a insuficiência ou os defeitos. No entanto, essas modificações não devem ser feitas levianamente e nem com precipitação. Serão obras dos congressos orgânicos que, na revisão periódica dos estatutos constitutivos, juntará a do formulário de princípios.

Constituição e credo, caminhando constantemente de acordo com o progresso, sobreviverão na seqüência dos tempos.

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